domingo, 25 de outubro de 2015

Os desafios da eja na atualidade


A necessidade de erradicar o analfabetismo no Brasil é consenso em todo discurso que atrela educação e desenvolvimento nacional, em qualquer esfera da sociedade. Está presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação. Na prática, continua uma ferida aberta, principalmente quando se pensa pela ótica da gestão pública da educação.

Variadas fontes apontam os poucos progressos obtidos no Brasil nos últimos anos em termos de cobertura e atendimento à demanda por escolarização a adultos e jovens excluídos do mundo letrado. Em 2009 ainda existiam 14,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais no país, o que correspondia a 9,7% da população nesta faixa etária, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Os dados mostraram que a taxa de analfabetismo caiu 1,8 ponto percentual entre 2004 e 2009.

A Pnad 2009 estimou a taxa de analfabetismo funcional (pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudos) em 20,3% da população. O índice é 4,1 pontos percentuais menor que o de 2004. As matrículas na Educação de Jovens e Adultos, em contrapartida, totalizaram 4 milhões naquele ano, considerando ensino fundamental e médio, de acordo com o Censo Escolar do MEC/Inep.

Os índices de cobertura da Educação de Jovens e Adultos são "irrisórios", de acordo com Maria Clara Di Pierro, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo cujo doutorado versou sobre as políticas para a modalidade. "A matrícula em EJA nunca chegou a 10% da demanda potencial. Dados censitários apontam que a população sem ensino fundamental completo (oito anos de estudos) é da ordem de 65 milhões de brasileiros acima de 15 anos. A oferta está muito aquém das necessidades", analisa a especialista.

Em meio a essa profusão de indicadores, uma primeira depuração se faz necessária: o quanto desse contingente de analfabetos e pessoas com baixa escolaridade concorre, na prática, aos bancos escolares. É o que explica Maria Clara. "Nem toda demanda potencial se converte em demanda efetiva, porque depende das aspirações que as pessoas têm, das perspectivas de mudança de vida e da própria dinâmica em que estão inseridas", afirma.

Esse fator está relacionado aos diferentes perfis dos analfabetos, também indicados pelas pesquisas populacionais. Em 2009, a taxa de analfabetismo no Nordeste estava em 18,7% segundo a Pnad, quase o dobro da média nacional. "Existem diferenças de indicadores entre as zonas rural e urbana, entre afrodescendentes e brancos, por faixa etária. Então, a demanda potencial é a da população mais pobre, que vive na zona rural, predominantemente negra, além dos mais idosos", detalha Maria Clara. Segundo ela, a oferta de EJA, por outro lado, está fortemente concentrada nas áreas metropolitanas, na região Sudeste.

Além de o atendimento não chegar aonde é mais necessário, a situação desta modalidade de ensino no país se agrava com a queda no número de matrículas. Em 2009, foram registrados 2,8 milhões de alunos de EJA no ensino fundamental e 1,2 milhão no ensino médio. A taxa de matrícula vem diminuindo progressivamente em relação a 2006, quando havia 3,5 milhões de matrículas no ensino fundamental e 1,3 milhão no ensino médio. Os dados são do Censo Escolar MEC/Inep.

"Ultimamente nossa pergunta é: por que a matrícula em EJA está caindo? Será que a demanda não está se expressando? E por quais razões?", indaga a especialista da Feusp.

DesafiosA resposta para a queda nas matrículas em EJA suscita um leque de hipóteses relacionadas de forma mais ampla aos desafios para sua plena implementação no Brasil. "Existe uma multiplicidade de respostas para a questão, baseadas em fatores que atuam em conjunto: o formato ainda muito convencional da escola, poucos esforços e falta de estímulos a estados e municípios para investir em EJA, além da escassez de políticas intersetoriais das áreas de saúde, transporte, assistência social", lista Roberto Catelli, que coordena o programa de EJA na Ação Educativa - organização voltada a promover os direitos educativos e da juventude.

Para a pesquisadora Francisca Izabel Pereira Maciel - do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), órgão da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais -, a motivação para os alunos de EJA está relacionada à sua inserção em uma sociedade que tem forte demanda de uso da escrita e leitura. "Ler e escrever não é aprendizagem fácil. Muito mais do que uma técnica, envolve letramento, fazer uso social dessa tecnologia. Quem não utiliza não aprimora, pode acabar desaprendendo", explica.
Segundo Francisca, o desafio para coordenadores de projetos e professores de EJA está em propiciar a articulação do ensinar a ler e escrever com suas funções e usos na sociedade. A começar por uma diferenciação da alfabetização para jovens e adultos em relação à que é destinada e formatada para crianças.
Condições de acesso e permanência
"A mobilização para matrículas em EJA depende de uma aproximação dos gestores das redes de ensino com a população, para identificar dados - que se encontram muito desagregados em diferentes áreas da administração - reveladores de necessidades próprias por bairros e municípios", afirma Leila Loureiro, assessora técnico-pedagógica da Secretaria de Educação de Olinda (PE). A leitura destas informações encontrará pessoas em situações que escapam à esfera da pasta educacional. Aí entra a defesa, por parte dos especialistas, da adoção de políticas intersetoriais para implantação de EJA.

Trata-se de criar condições para o aluno simplesmente ter acesso à escola. "Em EJA, lidamos com baixa renda, desemprego, pessoas que têm filhos. Temos de pensar em como fazer para atendê-las, oferecendo, por exemplo, assistência em saúde, creche para os filhos", complementa Catelli, da Ação Educativa.
Responsabilidade de quem?Outro ponto é evitar o abandono. "A permanência dos alunos em EJA, com sucesso, está relacionada à adequação do programa, o que se consegue com as políticas de intersetorialidade. Já acompanhei casos de alunos que têm dificuldade em assistir às aulas à noite porque não enxergam direito e não possuem óculos, ou que faltam e se sentem desestimulados por problemas de saúde como pressão alta", relata Leila.

Considerando as particularidades regionais do Brasil, Maria Clara Di Pierro sugere políticas intersetoriais que contemplem distribuição de renda, acesso à terra, geração de trabalho, qualificação profissional, além de saúde, alimentação e transporte, para propiciar o acesso e a frequência. "Se a iniciativa está no campo, tratar com assistência rural, saúde, meio ambiente. O ideal são medidas mais focalizadas, ajustadas aos contextos e conectadas com outras estratégias."

As políticas educacionais levadas à prática nos últimos anos apontam que a Educação de Jovens e Adultos tem recebido importância secundária frente a outras modalidades de ensino e grupos de idade, argumenta Maria Clara Di Pierro, em artigo que analisa a EJA no Plano Nacional de Educação 2001-2010, na publicação Educação & Sociedade.

Vontade política e o envolvimento dos entes municipais e estaduais são fundamentais para o avanço da modalidade, defende Roberto Catelli, da Ação Educativa. Na configuração do atual sistema educacional brasileiro, EJA continua buscando seu espaço.

Maria Clara Di Pierro identifica uma série de iniciativas nas políticas do governo federal nos últimos anos. "O Programa Brasil Alfabetizado, coordenado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad / MEC); o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem, gerido pela Secretaria Nacional de Juventude; o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), mantido pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC; o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário; e o Exame Nacional de Certificação de Competências, realizado pelo Inep", lista.

Em sua avaliação, tais iniciativas encontram-se "precariamente articuladas entre si". Roberto Catelli, da Ação Educativa, questiona o curto alcance do Proeja, por exemplo, dado o potencial da proposta. Os resultados de tais programas são pouco mensurados ou divulgados. O Ministério da Educação não atendeu à solicitação da revista para fornecer informações sobre o tema.

Por parte das redes estaduais e municipais, um dos entraves ao desenvolvimento da educação de jovens e adultos pode estar relacionado ao financiamento. Quando o Fundeb entrou em vigor, em 2007, estabeleceu fator de ponderação 0,8 para esta modalidade de ensino. O fator de ponderação é um índice atrelado a um valor de referência, no caso a remuneração por aluno que o fundo dá à primeira etapa do ensino fundamental, que é 1. No caso de EJA, a remuneração é de 80% do valor por aluno pago no fundamental 1.

Se por um lado foi um avanço em comparação à situação anterior, em que o precedente Fundef sequer contemplava a EJA, por outro lado, as matrículas caíram. "Uma hipótese é a de que os gestores estariam configurando os alunos jovens e adultos como inscritos em educação regular, declarando-os como estudantes com defasagem idade-série, classes de aceleração ou algo do tipo", afirma Maria Clara. A manobra visaria receber o valor do Fundeb referente ao fator de ponderação mais alto.

Outra possibilidade, segundo ela, é a pressão social sobre a administração pública, voltada para a educação de crianças. "A cultura do direito à educação na infância e a necessidade de as mulheres trabalharem influenciam as decisões políticas", diz. Já a cultura da educação de adultos ainda está por se construir, a demanda social é tênue e desorganizada. Para esta população, a resposta do gestor acontece em forma de programas simples, seguindo o modelo tradicional da escolarização, que acaba gerando evasão e resultados insatisfatórios.
Novo paradigmaEm um cenário de grandes desafios e problemas estruturais, a educação de jovens e adultos no Brasil não deixa de apresentar avanços, seja na perspectiva macro, seja para aqueles que se apropriam da leitura e escrita para ganhar uma condição social menos opressiva em sua história de exclusão.

Maria Clara Di Pierro avalia que houve um incremento na colaboração da União com os estados e municípios, por meio da institucionalização da EJA no sistema de ensino básico (pelo Fundeb e pela Lei nº 11.497/2009, que regulamentou a inclusão no Programa Dinheiro Direto na Escola). Além disso, a modalidade passou a ser incluída nos programas de assistência aos estudantes que proveem alimentação, transporte escolar e livro didático. "Essas medidas, durante o governo Lula, colocaram a educação de adultos no terreno da disputa da Educação Básica, o que é importante".

Em um aspecto mais amplo, está a retórica da educação ao longo da vida, que lança as bases para a atual configuração da Educação de Jovens e Adultos, não como uma recuperação do passado perdido, mas como direito do sujeito ao exercício da cidadania.
O desafio
Educação de Jovens e Adultos precisa ampliar a oferta, chegar aos lugares certos e encontrar maneiras de ensinar seu público respeitando sua experiência de vida
Ligia Sanchez

OS DESAFIOS DA EJA ALÉM DA ALFABETIZAÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda é vista por muitos como uma forma de alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por algum motivo tiveram de abandonar a escola. Felizmente, o conceito vem mudando e, entre os grandes desafios desse tipo de ensino, agora se inclui também a preparação dos alunos para o mercado de trabalho - o que ganha destaque nestes tempos de crise econômica. "Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e a juventude", afirma o inglês Timothy Ireland, mestre e doutor na área e especialista em Educação da representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

Diretor do Departamento de EJA do Ministério da Educação (MEC) de 2004 a 2007, Ireland foi o responsável pela coordenação da sexta edição da Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), o mais importante encontro do mundo na área, que ocorre apenas a cada 12 anos. Sediado em Belém do Pará entre os dias 19 e 22 de maio, o evento foi realizado pela primeira vez na América Latina. Nesta entrevista, concedida à NOVA ESCOLA antes do início da conferência, Ireland apresenta um panorama de sua área e fala das principais questões que preocupam os estudiosos e dos desafios ainda a vencer.

Quando o assunto é EJA, se pensa em primeiro lugar na alfabetização. Essa é a função principal dela? TIMOTHY IRELAND A alfabetização é uma parte fundamental, mas não é a única. No Brasil, a EJA tem sido associada à escolaridade compensatória para pessoas que não conseguiram ir para a escola quando crianças, o que é um erro. A Unesco trabalha com o conceito dos quatro pilares, surgido do desafio apresentado por um mundo em rápida transformação: precisamos aprender a ser, a viver juntos, a fazer e a conhecer. Também há o desafio da participação, da inclusão e da equidade: como colocar em prática o conceito da inclusão, que prevê o atendimento das demandas de aprendizagem da vasta diversidade de grupos. O Brasil tem segmentos com características bem definidas, como os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as pessoas mais velhas. Todos têm direito à Educação.

O que gerou tantas transformações nessa modalidade de ensino? IRELAND Isso ocorreu porque a Educação tem de acompanhar as mudanças que estão acontecendo e interagir com elas. O processo educativo, idealmente, começa na infância e termina somente na velhice. Dessa forma, a EJA tem de ser vista numa perspectiva mais ampla, dentro do conceito de Educação e aprendizagem que ocorre ao longo da vida.

O que essa aprendizagem contínua contempla? IRELAND O processo tem três dimensões: a individual, a profissional e a social. A primeira considera a pessoa como um ser incompleto, que tem a capacidade de buscar seu potencial pleno e se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo. Na profissional, está incluída a necessidade de todas as pessoas se atualizarem em sua profissão. Um médico, um engenheiro, um físico, todos os profissionais precisam se requalificar. Em momentos de crise, como o atual, isso fica ainda mais necessário. É comum o trabalhador ter de aprender um novo ofício para se inserir no mercado. Na social (que é a capacidade de viver em grupo), um cidadão, para ser ativo e participativo, necessita ter acesso a informações e saber avaliar criticamente o que acontece. Além dessas, há outra dimensão de aprendizagem muito pertinente neste momento: a relação das pessoas com o meio ambiente. Todos nós temos a necessidade de nos reeducarmos no que se refere a essa questão. Precisamos praticar novos paradigmas de sustentabilidade e novos hábitos de consumo.

Qual a importância dos programas de alfabetização de adultos no Brasil? IRELAND Existe uma vontade política muito forte de reduzir as estatísticas de analfabetismo. Para um país que pretende ser uma potência mundial, ter um número significativo de pessoas que não sabem ler e escrever é um ruído na imagem. Também é essencial lembrar que esse é um dos indicadores usados para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Por fim, no campo pedagógico, a alfabetização representa o alicerce do processo de Educação, o portal pelo qual é necessário passar para poder continuar aprendendo.

Como adequar esses programas a um mundo em que o conceito de alfabetização tem se ampliado? IRELAND De acordo com o conceito da Unesco, a alfabetização é a habilidade para identificar, entender, interpretar, criar, calcular e se comunicar mediante o uso de materiais escritos vinculados a diferentes contextos. Dessa forma, o essencial é compreender que ela não é mais entendida apenas como o domínio básico da leitura, da escrita e das operações matemáticas. Para uma pessoa realmente possuir essas habilidades, ela tem de concluir pelo menos o Ensino Fundamental.

Quais são os países mais bem-sucedidos na EJA hoje? IRELAND Existem alguns com uma forte tradição nessa área, como Inglaterra, França e Itália, que têm introduzido na legislação o conceito de Educação ao longo da vida. Em geral, os europeus reconhecem o papel da EJA para o futuro social e econômico. Entre as nações emergentes, também há bons exemplos. Um deles é a Coreia do Sul, que estabeleceu dois planos nacionais de cinco anos para o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida. Outro é a China. Na América Latina, Cuba tem investido em Educação para todos e com qualidade. Prever verbas para a EJA é crucial para o desenvolvimento de qualquer nação.

Segundo dados da Unesco referentes à América do Sul, a taxa de analfabetismo no Brasil só não é pior que a do Peru. Por que estamos tão mal? IRELAND Eu apontaria três fatores principais. Primeiro, a riqueza natural do Brasil. Talvez ela tenha contribuído para que a Educação não fosse prioridade. Com tantos recursos, parecia não ser necessário investir nas pessoas. O segundo é que, obviamente, oferecer ensino em um país do tamanho do Brasil é muito mais difícil do que em outros menores, como o Uruguai e o Paraguai. Por fim, creio que não exista uma valorização da Educação. Só recentemente os governantes começaram a entendê-la como essencial para o desenvolvimento sustentável. Durante muito tempo, ela não tinha valor social nem para o próprio povo.

Houve avanços nos últimos tempos? IRELAND Um esforço muito maior tem sido feito recentemente, com investimentos nessa área. O fato de a EJA ter sido incluída no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi fundamental para garantir uma fonte estável de recursos. Antigamente, se escolhia uma fase da Educação como foco, mas o governo atual tem uma visão sistêmica do setor e defende o investimento em todos os níveis de ensino.

O que falta para que o Brasil tenha menos demanda para a EJA? IRELAND Há um problema sério. Muitos jovens que saem da escola semianalfabetos se matriculam na EJA. Eles não deveriam migrar para essa modalidade por falta de qualidade na escola regular. Para que um nível não gere demandas desnecessárias para outro e como forma de garantir continuidade nos estudos aos que aprendem a ler e escrever, é necessário estabelecer um projeto de políticas de alfabetização articulado com outros níveis de ensino. Aliado a isso, é necessário também investir mais na profissionalização dos educadores.

Os professores não estão bem preparados para educar jovens e adultos? IRELAND Obviamente existem os que são muitos bons. Na maioria dos casos, os educadores desse público são improvisados e não têm preparo específico para atender esse público. Há formas diferenciadas de trabalhar com EJA e menos de 2% dos cursos de Pedagogia oferecem formação específica para esse fim.

Dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade mostram que a evasão no Ensino Fundamental na EJA chega a 20%. Como evitar isso? IRELAND Há diversas variáveis interferindo nesse processo. Muitas vezes, o estudante não deixa voluntariamente a escola. Faz isso por causa da família ou do trabalho. Também existe a questão da qualidade do curso oferecido. Falta pensar a EJA com base nas demandas de aprendizagem dessa clientela específica. É importante reconhecer que a maioria dos estudantes que procuram concluir a Educação formal também carece de qualificação profissional e, por isso, deve-se articular a formação deles com a Educação continuada.

Como isso pode ser feito? IRELAND Há duas iniciativas do governo que representam um grande avanço na área: o Proeja (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) e o Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens).

Além dessa relação com o mundo do trabalho, há outras a promover? IRELAND Sem dúvida. O MEC tem um papel importante de coordenar políticas que busquem a interface com outros setores. Já há relações fortes com a comunicação e a saúde. Pesquisas mostram claramente que mulheres com maior escolaridade cuidam melhor do bem-estar dos filhos. Há outros pontos que permeiam os dois campos. Os ministérios da Educação e da Saúde, por exemplo, se articularam para providenciar exames de vista e óculos para os que estão matriculados no programa Brasil Alfabetizado. Isso já ocorria com crianças, mas o reconhecimento de que o problema também afeta os mais velhos é muito bom.

O que mudou na área desde a última Confintea, em Hamburgo? As metas estabelecidas foram cumpridas? IRELAND Na edição de 1997, abriu-se muito o leque de responsabilidades a que a EJA tinha de atender. Além de contribuir para o desenvolvimento de cada ser humano, ela tinha de contemplar a questão do mundo do trabalho e até a paz mundial. Foram criadas demandas além de sua própria capacidade. No período imediatamente posterior à reunião, houve muito otimismo. Achava-se que os compromissos iriam se reverter em novos investimentos e esforços por parte dos governos. Mas isso não se deu. Quando se fala da avaliação da Confintea de Hamburgo, hoje o que sobressai é passar da retórica para a ação.

Quais são, então, os desafios atuais? IRELAND Atender a expectativas criadas em Hamburgo e também contemplar a crise financeira e econômica, que resultou na recessão global. Não há como negar que a EJA tem demandas próprias. É impossível desenvolver programas de qualidade sem que os recursos estejam garantidos. Normalmente, nas escolas são improvisados o local para essas aulas, os materiais utilizados e os educadores. Pra resolver isso, a profissionalização do corpo docente e o enriquecimento dos ambientes de aprendizagem são fundamentais. Em termos de gestão, é essencial implementar políticas de forma mais efetiva, transparente, eficaz e responsável, envolvendo na decisão representantes dos segmentos que participam da EJA - como a sociedade civil.

Criar políticas é papel da Confintea? IRELAND Em geral, a conferência estabelece linhas ou orientações políticas, mas é necessário que ela crie mecanismos para avaliar o que está sendo feito

Identidades da EJA : Conquistas, Desafios e Estratégias de Lutas


                                   Determinar claramente a identidade da EJA, pressupõe um olhar diferenciado para seu público, acolhendo de fato seus conhecimentos, interesses e necessidades de aprendizagem. Pressupõe-se, também, a formulação de propostas flexíveis e adaptáveis às diferentes realidades, contemplando temas como a cultura e tudo que esta contempla: relações sociais, necessidades dos alunos e da comunidade, meio ambiente, cidadania, trabalho e exercício da autonomia.

                                   A identidade da EJA, vem sendo construída e modificada historicamente. No decorrer do processo, tivemos a denominação "supletivo"  que embutia em seu sentido a conotação de compensar o “tempo perdido" ou "complementar o inacabado", com a idéia de substituir de forma compensatória o ensino regular. O que hoje é concebido como educação de jovens e adultos, corresponde à aprendizagem e qualificação permanentes, não apenas suplementares, mas fundamentais e que favoreçam a emancipação.

                                    Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, é necessário que a EJA assuma a função reparadora de uma realidade injusta, que não deu oportunidade nem direito a escolarização de tantas pessoas. Ela deve também contemplar o aspecto equalizador da educação, possibilitando novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura de canais de participação. Mas há ainda outra função a ser desempenhada pela EJA: a qualificadora, com apelo à formação permanente, voltada para a solidariedade, igualdade e diversidade.

                                    Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos identifica-se com o compromisso para a valorização e qualidade dos profissionais que nela atuam, através da constante atualização da sua formação e no empenho em apontar políticas públicas, que venham melhor atender as especificidades destas modalidades.     A partir de 1990 em um âmbito internacional na V Conferência de Educação de Adultos, foi enfatizado a importância do ensino para Jovens e Adultos; tendo como ênfase o direito e respeito dessas pessoas que não concluíram o ensino  regular.

                                    No período da ditadura militar no Brasil, os jovens foram esquecidos, pois foi essa massa de pessoas que não concordavam com o regime imposto. Com a V Convenção de 1990, as mudanças começaram a enfatizar um estudo sobre estes jovens e suas necessidades dentro do currículo escolar.

                                    Partindo desse entendimento de uma necessidade e valorização dessa massa de pessoas, buscou-se uma forma de inserir esses jovens e adultos onde enfatizamos uma educação multicultural que desenvolva o conhecimento e a integração entre as diversidades culturais. Buscando uma compreensão mútua, contra a exclusão por motivos de raça, sexo, cultura e outras       formas de discriminação.

                                  Nessa perspectiva de valorizar e destacar a educação de jovens e adultos, o profissional da educação também teve de se adequar a essa nova realidade que está sendo proposta, isto é, o educador deve conhecer  o aluno a partir do aluno, sendo a percepção um dos elementos que fará a diferença na            aprendizagem. Com essa ênfase e a nova perspectiva de educação para jovens e adultos, o entendimento dessa construção se dá a partir de um elemento importante por parte do educador, que é ouvir o educando e conhecer a realidade que o mesmo se encontra.


HISTÓRICO DA EJA

 
               Definiu-se uma concepção de Educação de Jovens e adultos a partir da Constituição Federal de 1988. No artigo 208, a Educação passa a ser direito de todos, independente de idade, e nas disposições transitórias, são definidas metas e recursos orçamentários para a erradicação do analfabetismo.  Apesar desse artigo, chegamos à década de 90 com Políticas Públicas educacionais pouco favoráveis a este setor ( porque os programas oferecidos em 1988 não atendiam a demanda populacional ).

               Entretanto, após dois anos da Constituição em vigor, e já convencido pela ideologia do ajuste neoliberal, Fernando Collor de Mello, em 1990, extinguirá a Fundação Educar, intervindo de forma negativa nos financiamentos de longo prazo para a educação. A Fundação Educar, na forma de convênios, financiava programas educativos que, quando foram suprimidos, eliminaram os recursos facultados às pessoas jurídicas, da ordem de 2% de abatimento sobre o Imposto de Renda, para investimentos destinados à alfabetização dos adultos.

             Para o Movimento de Educação de Jovens e Adultos foi importante a contribuição de Paulo Freire por toda sua trajetória, pois foi herdeiro da tradição da educação popular e, particularmente do MOVA-SP (1989-1991). Por que Paulo Freire ? Porque ele era um dos fundadores do  o pedagogo mais importante na segunda metade do século XX. Ele retoma o pensamento da Escola Nova e o leva a uma análise muito crítica; que representou esta nova perspectiva pedagógica. Na administração pedagógica de Paulo Freire diminuiu-se a repetência escolar, criou-se o movimento de reorientação curricular e os conselhos de escola.

              A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96 a nomenclatura Ensino Supletivo passa para EJA, não trata da questão do analfabetismo, reduz idade para realização dos exames em relação a Lei 5692/71.


CONCLUSÃO


                Considerando a trajetória da EJA no Brasil, este tem sido pautado por campanhas ou movimentos desenvolvidos, a partir da administração federal, com envolvimento de organizações da sociedade civil, visando à realização de propostas ambiciosas de eliminação do analfabetismo e formação de mão-de-obra, em curtos espaços de tempo. Nos dias de hoje a alfabetização não visa somente à capacitação do aluno para o mercado de trabalho é também necessário que a escola desenvolva no aluno suas capacidades, em função de novos saberes que se produzem e que demande um novo tipo de profissional, que o educando obtenha  uma formação indispensável para o exercício pleno da cidadania .           

                   Fizemos toda essa reflexão para destacar a necessidade de avanços, tanto no sentido de ampliação da cobertura das populações ainda marginalizadas da escolarização, quanto no de qualificar pedagogicamente, a "educação popular" voltada para os interesses populares .

                  Nós, educadores, estamos convencidos de que, nas condições sociais atuais, uma política nacional de alfabetização só poderá obter algum sucesso se estiver vinculada a um projeto político-econômico que supere as causas sociais que produzem e mantém o analfabetismo.

FRASES DE PAULO FREIRE




Brasil,Pátria educadora de jovens e adultos?

Crédito: Shutterstock / Montagem
O discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, reeleita para mais quatro anos à frente do governo federal, ainda repercute entre nós, professores, por conta do lema escolhido para o novo mandato: “Brasil, pátria educadora”. Se por um lado esse posicionamento parece sinalizar que a Educação será finalmente prioridade (algo longamente reivindicado), por outro, nosso instinto é – escaldados por décadas de descaso – desconfiar que possamos mais uma vez ficar somente no discurso, sobretudo no que diz respeito aos Jovens e Adultos.
Será que o slogan vale também para a EJA? Caso sim, precisaremos de um grande esforço para enfrentar de fato os problemas dessa modalidade de ensino. Isso é o que comprovam os dados:
Em termos de alfabetização, o país ainda precisa abrir espaço para que cerca de 13,3 milhões de brasileiros acima de 15 anos aprendam a ler e escrever, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para ter uma ideia do tamanho do problema, segundo o Censo Escolar 2013, há apenas cerca de 3,8 milhões de alunos matriculados na EJA. Isso significa que, para dar conta da população não alfabetizada, a oferta de cursos precisaria mais do que triplicar. Um desafio e tanto!
Ao considerarmos a Educação Básica como um todo, o buraco é ainda mais embaixo: cerca de 83 milhões de pessoas com 18 anos ou mais não concluíram o Ensino Fundamental ou o Médio, de acordo com o Censo Demográfico 2010, o que corresponde à quase metade dos brasileiros.
Em um país com déficits educacionais acumulados por anos, como o Brasil, volta e meia reaparece a discussão se deveríamos investir na EJA: Será que não seria mais interessante priorizar a Educação das crianças, que ainda têm toda a vida profissional pela frente? Esse investimento não “daria mais retorno”? É como se tivéssemos de escolher entre elas e os adultos. Esse argumento é empregado com frequência por alguns gestores para desencorajar investimentos no atendimento ao público mais velho.
Por outro lado, há quem defenda a EJA como uma ferramenta de formação de mão de obra mais qualificada. São comuns reportagens sobre empresas que não conseguem preencher as vagas de trabalho por não encontrarem profissionais suficientemente capacitados. Segundo essa perspectiva, acelerar a formação desses adultos é bom para os empregadores, para o governo e para os futuros funcionários, que conseguiriam melhores ocupações e salários.
Porém, anterior a qualquer debate, há outro aspecto ainda mais essencial, que é o do direito à Educação. Se, como afirma a Constituição Federal, todo brasileiro tem direito à Educação Básica, então o estado deve prover condições para que isso aconteça, mesmo no caso de quem não teve condições de estudar quando criança. Isso significa proporcionar uma situação propícia para que essas 83 milhões de pessoas estudem e concluam uma etapa de aprendizado que lhes é de direito.
Como escreveu o cientista político Daniel Cara, até agora nossa postura como país foi aguardar que as pessoas analfabetas envelheçam e, consequentemente, morram. A perspectiva da EJA como instrumento para prover o direito à Educação ainda não foi encampada historicamente no Brasil. Será que conseguiremos mudar essa postura? Seremos, de fato, uma pátria educadora para todos?

Alunos heterogêneos pedem desafios específicos

Crédito: montagem/shutterstock
No post anterior, apresentei um dilema muito comum nas classes de EJA: os conflitos gerados pela diferença de ritmos e de assiduidade entre os alunos. Muitos professores sentiram-se provocados a discutir o assunto e, a julgar pelos comentários feitos nas redes sociais e aqui no blog, essas diferenças não estão restritas à Educação de Jovens e Adultos.
De fato, a heterogeneidade está presente em qualquer situação que envolva seres humanos, e quem espera a uniformidade não deveria trabalhar com pessoas. Não adianta almejar que todos os alunos sejam iguais quando sabemos que eles não são. Existem diferenças de interesses, expectativas, habilidades, ritmos, entre muitas outras coisas. Em vez de negar essa realidade – que não vai mudar –, nós, professores, deveríamos assumi-la como ponto de partida e, mais que isso, aproveitá-la para potencializar o trabalho em sala de aula.
Seguindo esse ponto de vista, separar os alunos por desempenho se mostra pouco produtivo e antidemocrático. É preciso pensar em práticas pedagógicas que tirem proveito da variedade de que dispomos e que incluam em vez de discriminar. Mas como fazer isso?
Uma primeira saída é enxergarmos a Educação para além dos conteúdos conceituais e assumirmos que a escola também é espaço para desenvolver outros aprendizados, como a tolerância e a convivência, tratando-as como conteúdos a serem trabalhados em grupo. Isso não deve ser feito de maneira acadêmica, expositiva, com o professor explicando o que significa convivência, mas com os estudantes, de fato, convivendo.
Para ilustrar essa ideia, imaginemos um trabalho de pesquisa em grupo sobre o tema Diabetes. Existem, é claro, todos os conteúdos envolvidos e que desejamos que os alunos aprendam, a exemplo da função do pâncreas, do que é glicemia e do que é insulina. Porém, isso é apenas parte da tarefa, pois também queremos que eles conversem, realizem a pesquisa sem brigar, dividam as funções de maneira harmônica e se ajudem. Tendemos a valorizar demais a porção conceitual do trabalho, avaliando se chegaram às ideias academicamente aceitas, mas em grande medida ignoramos toda a interação que a pesquisa envolveu. Essa porção é bem mais difícil de avaliar.
Já que separar os alunos não é uma opção, vou contar como eu faço para lidar com as diferenças de ritmos e perfis em minhas turmas: com desafios específicos para cada estudante. Para isso, proponho uma tarefa clara e que esteja ao alcance do aluno naquele determinado trabalho. Por exemplo, para um digo que o desafio é revisar seu texto e evitar os erros de acentuação. Para outro, peço que relacione os conceitos. Para um terceiro, solicito que inclua a experiência dele de fora da escola no trabalho e assim por diante.
Com essa estratégia, minha intenção é que a atividade seja sob medida para cada perfil, ou seja, desafiadora, mas atingível. Dessa forma, é possível incluir outros objetivos além dos conceituais e fica mais fácil avaliar o desempenho da turma de maneira mais individualizada.  Também fica mais claro para o estudante o que se espera dele, fazendo-o observar seu próprio percurso e o que falta avançar. Esse procedimento, é claro, exige um conhecimento mais detalhado das turmas.
Para continuar no exemplo do post anterior, tanto a aluna rápida faltosa quanto a lenta assídua têm coisas a aprender na escola. Em uma situação que enfrentei recentemente, propus à estudante de ritmo mais lento que ficasse responsável por redigir apenas uma das respostas que o grupo deveria dar, enquanto os colegas fariam outras tarefas. Assim, disporia de bastante tempo. Isso diminuiu a ansiedade dela, que pôde seguir em seu ritmo para finalizar a redação. Do ponto de vista conceitual, não atingiu completamente o esperado, entretanto, houve um progresso inegável em termos de autonomia.
Com a rápida faltosa, tive uma conversa franca. Esclareci que suas ausências desestabilizavam o grupo, mas que percebia que ela compreendia rapidamente os conceitos envolvidos na pesquisa. Seu desafio, portanto, não poderia estar no campo conceitual. Para ela, a encomenda foi tentar faltar menos e organizar as tarefas do grupo no computador, buscando ensinar os colegas em vez de fazer por eles. Essa aluna mostrou-se mais comprometida nesse trabalho do que em outros e foi elogiada pelos demais por sua postura.
Nesse contexto, as duas alunas eram do mesmo grupo e ambas foram avaliadas positivamente nos aspectos em que progrediram, mas não deixei de sinalizar que existiam pontos a melhorar. Mais do que uma nota, as estudantes receberam uma devolutiva que as fez observar o percurso delas e apontou caminhos para avançarem.
Para elas, nesse trabalho em particular, minhas encomendas funcionaram. Não sei se funcionarão em um próximo. Usando um chavão docente: não existe receita. O que existe é reflexão e ação.
E você, professor, o que pensa sobre isso?

As contribuições de Freire para a EJA